Renato Benvindo Frata
Todos temos na boca uma serpente quando damos à língua a maledicência e cabe a cada um deixá-la peçonhenta, ou eliminar seu veneno para fazê-la réptil de estimação que age como um Lulu a correr alegre pela casa pois, assim estando, as palavras dali saídas serão amenas, dóceis, afáveis e carinhosas, como se pede de boa língua. Por si só a língua jamais será má. Nós, com nossas veleidades, é que a deixamos assim.Da mesma forma agem nossos ouvidos com os ossículos martelo, bigorna e estribo ao conduzirem o som ao líquido da cóclea e daí ao cérebro que o processa dando-nos ciência daquilo que foi ouvido. Em palavras simples, imaginemos esse conjunto de ossos como tubos que podem ser providenciais ao nosso aprendizado replicando por meio da boca a educação assimilada, ou se transformarem num esgoto a ser usado deixando que o lixo posto pelo som se tranque e nele apodreça sem consequência, ou fazê-lo vazar pela boca espalhando sua nocividade com a disseminação da maldade nele contida.
Claro que a língua não é essa serpente que se arrasta em ziguezagues pelos campos à espreita de alimento de sobrevivência: mas a que espalha futricas, compõe mentiras, veicula xingamentos, joga pragas, incentiva desejos lúgubres e todos os maus adjetivos germinados da essência de quem os produz. E o faz com o único propósito de dispersar ao vento, como areia solta sob lufadas, maldade e discórdia para atingir, sem imaginar ou se ater às consequências, o que a maldade é capaz de produzir.
Não saberia definir cientificamente esse condenável comportamento humano de fazer futrica inventando ou aumentando, acobertado pela ruindade com coloração diversa, fatos ou coisas, mas fui buscar na mitologia grega – que sempre tem respostas e encontrei a deusa Momo como a causadora de todo desarranjo comportamental. Ela habitava em conjunto com os deuses o monte Olimpo, mas era dada a tantas fofocas, criava tanto perrengue, elaborava tanta piada sem graça, palhaçadas sem plateia e delírios mil com uso de maldades, grosserias, impudicícias e desonestidade que Zeus, não suportando o abuso pela burla, crítica e zombaria, a expulsou para viver perdida no tempo. Então, falsa como era, para não ser constantemente reconhecida e enxovalhada, passou a usar máscaras a lhe cobrir a verdadeira face. Levou um pé na bunda pelas inverdades e hoje, com o nome de Rei Momo, comanda carnavais e festas populares sem perder, todavia, o mau caráter, a bandalheira e toda espécie de libertinagem que conhecemos.
Com o advento das redes sociais facilitando a comunicação à distância, o hábito dos cochichos perdeu espaço para um teclado miúdo e difícil aliado a fotos, vídeos ou desenhos que fazem de um lado um mar de alegria a quem os manda, mas uma miséria na vida de quem se trata pela rápida disseminação de mentiras, hoje nominadas Fake News.
E são tantas e tão diversas e tão bem estruturadas que passam por verdade e que, se não cuidarmos, serviremos de disseminadores dessa barbaridade, como faziam os ouvidos-esgoto entupido dos incautos no tempo das fofocas por cochichos.
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