Guisado de galo de briga

Publicado em 05 de dezembro de 2022

Renato Benvindo Frata

No tempo das rinhas permitidas, o galo abatido ia direto pra panela. Virava guisado, preparado ali e servido quente aos apostadores mediante claro, a um certo valor em dinheiro. Ao perdedor o alimento era de graça e, como as lutas começavam cedinho, o cozinheiro trabalhava muito precisando de ajuda para depenar, limpar e cortar, descascar batatas, picar cebolas, piloar arroz. Tudo na hora e à vista de todos, sem frescura: uma festança regada à cerveja e pinga da qual os moleques da minha idade participavam ora trabalhando, ora torcendo no esporte estritamente masculino onde homens de bem se misturavam aos nem tanto, para o mesmo fim: divertir-se à custa do sacrifício de aves tratadas para luta. E apostas. Altas… Isso durou até que o Jânio Quadros proibiu a chacina, lá nos idos de 1960.

Nunca imaginei que a essa altura da vida me pegaria escrevendo sobre galos em receita culinária. Não que tenha preconceito ou desdém a respeito, muito pelo contrário. Nas horas de folga disputo panelas com a patroa. Mas é que depois de setenta e seis envolvido em tarefas de entregar verduras, engraxar sapatos, carregar malas, lavar milhares de vidros de perfume, aprender arte tipográfica, passar pela contabilidade e militar em direito, uma receita de cozinhar galo se torna novidade. 

Para aparar qualquer aresta que possa surgir, é bom que eu diga que a crônica, por ser de livre manifestação, incita à inspiração e faz voar pensamentos. Mesmo que insosso o assunto, focarei no prato que se prepara refogando e, por se tratar de guisado de galo de briga que tem a carne endurecida pelos músculos num ensopado onde a mistura dos ingredientes fará o sabor, a única maneira de torná-lo palatável é tacar fogo, muito fogo na bunda da panela. 

Pois bem, recentemente tivemos uma briga dessa em pleno século 21, cujo resultado ofendeu a ambos os contendores deixando-os tão esgualepados que se obrigaram a logo procurar hospitais. A vitória, porém, foi dada ao mais galo velho e, claro, o mais novo, pomposo e brigão, receoso em ter que ir para a panela não aceitando o resultado, voou na goela do juiz pedindo revisão e reversão da decisão. 

Concomitantemente em meio a um enorme alvoroço, a torcida se dividiu entre uns querendo comer guisado feito com o perdedor e outros, agrupando-se aqui e ali acreditando e insistindo ter havido manipulação de resultado, querem fazer guisado daquele a quem o resultado favoreceu.

Uma balbúrdia que já dura mais de trinta dias sem que se tenha uma certeza absoluta do que realmente aconteceu e ainda acontecerá.

De cuja história se extrai a máxima de que, mesmo que se confirme, ou, na melhor das hipóteses, se reveja o resultado, todos torcem para que na panela de guisado, fervida e refervida, tenha o juiz como ingrediente principal.

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