Leitura Romântica

Publicado em 22 de janeiro de 2022

Renato Benvindo Frata

Li em “Luas Novas e Antigas” de Mara Senna, o poema que nominou o livro: “Eu guardo luas nas gavetas do meu quarto crescente. / Luas novas e antigas, luas de rir e de chorar. / Luas tão velhas amigas, luas de todo lugar. / Luas distantes, luas perdidas, ocultas em noites de eclipse lunar. / Vou guardando na gaveta toda lua que encontrar. / Ainda ontem, achei a lua cheia, que um dia avistei sobre o mar./ Noutro dia, a lua minguante, aquela que me viu chorar. / E, anteontem, uma lua crescente, sabedora das coisas que vão melhorar. / Vou guardando luas novas e antigas. / Meu caminho é lunar. 

Depois li “Ouvir Estrelas” de Olavo Bilac, o conhecidíssimo soneto em que o poeta relata ter se levantado, aberto a janela para, especialmente, ouvir estrelas e conversar com elas pela noite toda, até que o sol com seu clarão, as apagasse de sua vista levando-o a também se recolher, mas guardando para si uma paixão por alguém cujo nome não revela.

Simplificando a análise, com Mara vejo que a preocupação é a mesma de Bilac quando diz “guardar as luas na gaveta” – que simboliza memória, para que possa se lembrar dos momentos felizes e também dos tristes numa relembrança contínua que a impele a procurar equilíbrio com respeito a amores. Faz da lua, em sentido figurado, a tônica que a mantém na eterna tarefa de busca a uma satisfação de vida-felicidade.

Mara e Bilac, em épocas distantes, (separados por mais de cem anos), deixam-se levar pelo eu-lírico de devaneio, com ela admirando e escolhendo a lua como sua metade romântica a ponto de guardá-la em si hermeticamente fechada; e ele, da mesma forma, elegendo as estrelas da Via-Láctea confidentes nas conversas à madrugada. Ambos, nesse anseio, para dizer da paixão que têm dentro de si e os estimula via olhares contínuos ao céu à espera de respostas aos seus estímulos, até encontrarem a satisfação plena que o amor verdadeiro, por certo, propicia, e que tanto almejam.

A insatisfação pessoal, talvez, com o íntimo sentimento de vazio a lhes povoar a alma pela falta de alguém que os complete, levam-nos a olhar seguidamente os astros e a se embevecerem com e por eles, transcrevendo essas emoções para a posteridade.

Os versos regados à paixão emparedada tendem a transparecer, e deixam vazar pelas bordas dos sentimentos o afeto que nutrem e não são correspondidos, mas que o âmago da noite absorve no mais especial silêncio que a solidão permite. Em forma de cicio às vezes e de balbucio em outras, ambos do amor crescido teimoso que alcança essa borda, escorre e se espraia sob a espuma do querer. Lindos, são ambos os poemas.

Nesses tempos loucos em que vivemos, enclausurados em nossos lares sem nos permitir contatos amiúdes com amigos, parentes e vizinhos, em que o medo de receber e espalhar nocividade que a pandemia rega sobre todos, talvez olhar para o céu seja um lenitivo. A ele poderemos contar os segredos que nossos corações armazenam e mantêm trancados, com a certeza de que, de forma terna e segura serão mantidos, assim como nos manteremos vivos sem nos julgarmos loucos, mas, poetas!

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