Renato Benvindo Frata
Dizem que pobre é pobre e continuará nessa condição indefinidamente porque tem o sonho curto e, quando sonha, o faz por sonhar, não por realizar. Não tem a coragem de transformar o sonho em desejo, e esse em idealização, e essa em objetivo, e esse em labuta hercúlea até pô-lo aos seus pés, transformado em realização. Simples assim, na explicação jocosa e descabida, como se o sucesso do indivíduo dependesse apenas da envergadura de seu sonho.Meu pai dizia que quem bem sonha, não pode usar relógio. Segundo ele, o contar minutos não combina com o sucesso, porque o “ter êxito em alguma coisa”, ou “ter um resultado feliz em algo” ou “conseguir chegar ao fim de uma empreitada” – (concepções de sucesso) – exige que o dia não tenha começo nem fim, mas deve ser preenchido com a sequência do fazer, fazer, fazer, descansar, fazer, fazer, fazer, descansar, nessa proporção de tempo e esforço, até que consiga enraizá-lo, para que daí se encorpe e se finque em um lugar (ou maneira) que possa sustentar os vendavais tão comuns ao sonho em evolução. Seriam esses vendavais os pesadelos nascidos da angústia de não os ver concretizado.
Na minha ignorância de moleque não entendia bem o que ele queria dizer contra o uso de relógio a condição para se sair bem na vida, afinal, os homens mais ricos da nossa cidade ostentavam nos braços, ou nos bolsinhos das calças ligados a grossas correntes de ouro, relógios lindos, grandes, cravejados de brilhantes que diziam além das horas o tamanho da riqueza e poder. E eles, com seus carrões, cachimbos ou charutos, pelo que se via, não trabalhavam na quantidade mandava pela receita.
Não era no sentido estrito do uso do instrumento que ele aludia, mas na forma de como o pensamento deve ser focado a um objetivo pretendido. Coincidência ou não, o livro “Reflexões” de Francesco Guiccardini – filósofo renascentista contemporâneo de Maquiavel, bem define essa força de pensamento aliada à ação, a quem deu o nome de fé. Ter fé é pensar grande! – e lhe deu a seguinte dedução. “A fé nada mais é que acreditar com firme opinião, e quase certeza, nas coisas que não são racionais ou, se são racionais, acreditar nelas com tanta resolução que vão além da razão”, de onde se conclui que o sonho para ser realizado tem que ter a força da fé e com ela a obstinação naquilo em que se crê, aliada à resolução da intrepidez e desprezo por dificuldades e perigos. Sonhar e ter fé, nesse foco, têm o mesmo sentido.
Só com o tempo é que compreendi o porquê de se dizer que o pobre sonha curto, e que de acordo com esse conceito cultural-civilizatório de separação social, arbitrário, preconceituoso e egoísta que vivemos desde que o forte sobrepuja o fraco, não basta que ele trabalhe de sol a sol nos sete dias da semana, que enfrente frio e calor, sol ou nevasca, nem que se refresque à luz de estrelas. O sonho do pobre continuará sendo pequeno demais para atingir o tamanho que a realização exige.
A resposta está na realidade: ao pobre nada é oferecido além de suas restritas necessidades – quando o é -, e nisso se inclui o tamanho de sonhos. Aliás, oportunidade, emprego, salário, saúde, educação, vestimenta, lazer, família – princípios básicos da sobrevivência a ele oferecidos, é sempre aquém daquilo que sua dignidade exige, o que me faz crer que a receita do meu pai não vale para todos, indistintamente.
Talvez um sóbrio humanista, num dia qualquer, possa dizer se esse conceito separatista terá fim, e o pobre possa ter o sonho do tamanho que seu desejo imaginar, com força e persistência que tem a fé ao conseguir remover montanhas. Para isso, muita coisa há de mudar.