Vozes do Silêncio

Publicado em 12 de maio de 2020

O silêncio tem vozes imperceptíveis que passam, por muitos, despercebidas; e outras, gritantes, audíveis ao coração de onde explodem sentimento de tristeza.

O pátio escolar guarda os gritos deixados quando o portão se fechou. “–Por quê, mamãe? – Mas ecoam ainda o que restou de alegria nos rabiscos dos painéis, no traço de giz não apagado, dos riscos feitos às escondidas nas paredes, nos cadernos de garranchos que a tia arrumou. Até quando? É a solidão que ecoa…Guardam silêncio as residências de ar pesado com o recolhimento forçado e mudanças de comportamentos. As ruas caladas sem o burburinho nem o frenesi; as fábricas silenciadas criando teias, o comércio emudecido dormindo sono injusto; o riso, a dança, a algazarra, murcharam todos com a seca desse outono maluco. Tudo se faz silente; até o coaxar nos banhados mudou, não é o mesmo, parece vazio, aparentemente sem vida. O silêncio abraça as nuvens que passam ao alto e se vão, minguadas, sem seu trovejar. Nem a chuva quer descer.

O vento sopra sem ser sentido, apreciado apenas pela poeira fina que se assenta aqui e acolá e uma ou outra folha que se desprende do galho e rola, seca; a brisa morna passa e segue sem encontrar rostos a quem agradar, não há nenhum à sua espera; a flor brota e se abre só para si, pois não tem quem a aprecie e a borboleta, linda e assanhada, esvoeja e vai ziguezagueando sem graça, sem a criança a persegui-la com saltos e gritos. É o silêncio sentido. Silêncio vivido. Silêncio não respondido…

Como o de agonia da mãe à beira do berço pelo futuro incerto; a de filhos de caras tristes e mãos estendidas às portas de terceiros, opção derradeira nesses tempos ruins; a de famílias nas portarias hospitalares pelas perdas ocorridas ou iminentes; o do trabalhador da saúde que mal dorme e come para atender a quantos clamam; a do trabalhador com a carteira encerrada pela falta do chão da sobrevivência; ou do silêncio ansioso do patrão com folhas a pagar e contas mil, cujos empregados e credores não podem comer seu estoque. 

Tudo mudou nesses tempos de pandemia. 

Até a fé, antes imorredoura, volta e meia nos bambeia as pernas transformando oração em suspiros saídos do íntimo, brotados do âmago e deixados empapando-nos em suores, os quais, teimosos, vertem e rolam em gotas de sal do desespero. Às vezes trazem tremor em temor que cala e cria mais silêncio, que somente a nós é dado escutar… e nada falamos.

Para que lutar, pergunto, se essa tristeza imensa nos mete em camisa de força e nos põe torniquete nos lábios?  O silêncio, efeito Covid, não merece nosso som.

Que fiquemos então, por detrás da vidraça apreciando a rua vazia enquanto o tempo passa. Talvez ele encontre a solução.

Renato Benvindo Frata

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