(Crônica inserta no livro Quarto de Solteiro, do autor, editado em 2011)
Renato Benvindo Frata
“O ser humano em muito se assemelha à natureza. Há homens que como os rios, não medem os estragos que causam para alcançar seus objetivos. Por isso existem homens ordinários e rios ordinários” (Cora Coralina)
As notícias que se somam ao longo do tempo e dão conta dos jeitos e trejeitos, atos e omissões e uma quantidade imensa de improbidade praticada por pessoas que detêm o poder neste país (seja em qualquer esfera de mando). E a constatação de que essas faltas nunca foram e jamais serão punidas como deveriam porque o jogo de interesse assim o determina, gera uma sensação de desamparo que aliada à decepção natural de insegurança, provoca desesperança e descrença nas instituições que têm o dever de oferecer segurança e credibilidade à população que as mantém.
O caso é muito sério, principalmente quando a lisura, a ética, a moral, o bom caráter, os bons propósitos, o respeito ao direito coletivo, os princípios que norteiam a convivência em sociedade se esvaem na fumaça da corrupção, do jeitinho, das artimanhas, da fraude. Os recentes episódios na política nacional, os conchavos e interesses obscuros são a simples reprise de escândalos que se sucedem sem que qualquer atitude mais justa e digna seja tomada por quem de direito.
A quem se poderá debitar esses desvios de conduta? À fraqueza humana? À suntuosidade dos palácios, ao clarão e ao deslumbramento das luzes? Às facilidades que os cargos trazem com as benesses e negociatas? Aos frequentes rapapés e às costumeiras trocas de favores, às famosas comissões a cada repasse de verbas? Aos valores agregados às suas contas bancárias? Aos perdões nos seus débitos com bancos oficiais? À certeza da impunidade? À consciência da efemeridade do cargo que leva a reaver o que gastou na campanha? Ou à intenção de perpetuarem-se no mando e com isso fincar raízes, custe o que custar? Difícil a resposta. Mais difícil é digerir as perguntas sabendo que nunca serão respondidas, em face do descaso de como são tratadas as questões de moralidade na vida pública.
Diz-se que o povo tem memória curta e que a imprensa só divulga o que causa sensacionalismo. É verdade. Programamos nossas mentes para apagar coisas ruins e a imprensa, antes de ser defensora da honra, é empresa comercial que vive do seu faturamento. Logo…
É verdade também que as eleições se sucedem e nos aproximamos de mais uma, coincidentemente a que guindará deputados à Assembleia e à Câmara Federal, à renovação de 2/3 do Senado, aos Governos Estaduais e à Presidência da República. É hora de lembrarmos o que se passou nesta gestão em termos de nepotismo e corporativismo. Pensar no que foi feito, o que se deixou de fazer e no que se desfez em nome do apadrinhamento político partidário e sindical. A hora é de colocar na balança atos e omissões, promessas e cumprimentos, lisura e decência com que desempenharam o mister para o qual foram eleitos.
E indagar se continuam merecedores do nosso voto, ou se teremos que optar por outros que podem provar que são capazes ou melhores que os atuais, para que amanhã não nos arrependamos da imprudência e não nos vejamos com a alcunha do título.
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Nota: Diante da balbúrdia instalada desde a posse do novo Governo, vê-se que muito pouco mudou em se tratando de poder. Os mesmos desmandos, intromissões, traições, vaidades afloradas, leviandade nas palavras, insensatez nos gestos, irreflexão nos atos que nos deixam preocupados sem saber o rumo que o país poderá tomar. E a cada dia as torcidas para o touro contra as do toureiro se confrontam vendendo suas razões, certeza e mentiras. E que se dane o povo.
Lendo “Meditações” de Marco Aurélio, Imperador de Roma entre 161 e 180 d.C., encontrei no Livro IX, verso 29, a seguinte afirmação que bem cabe ao Brasil de 2011 e este de 2020: “Quão rasas são as almas desses homens que brincam de fazer política, e imaginam governar como se fossem grandes filósofos! Pobres patetas.” Isso me leva à outra reflexão: a de que os patetas, do caso, somos nós que continuamos otários diante desse quadro que não se modificará tão cedo.
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