Os Olhos do Zé Enxerga

Publicado em 20 de fevereiro de 2019

Por Renato Benvindo Frata
Diziam que o Zé Enxerga desenxergava porque um olho vigiava o outro que vigiava o um. É que a extrema vesguice desbalanceava o balanço que os olhos têm quando são normais. Se você olha para baixo, para os lados ou para cima, os dois obedecem. Os deles, nem o médico, com o monte de ferramentas, foi capaz de endireitá-los.
Tanta era a desconfiança que ao dormir, o Zé não conseguia fechar as pálpebras simultaneamente. Quando uma descia, a outra, acesa, mantinha-se levantada e isso causou um problema: com o Zé dormindo pela metade ou nem dormindo, ficou parecendo um zumbi tateando aqui e ali sem ver.
Um dia ele aceitou que o médico colocasse um tampão no olho esquerdo com o objetivo de consertar o direito. – Um estando fechado, disse o médico, obrigará a que o outro faça o serviço de visão dos dois. É uma tentativa que sempre dá certo – complementou. E o Zé, esperançoso, desfilava o tampão qual pirata nos mares de poeira de nossas ruas sem asfalto.
Os dias se passaram com o tampão incomodando, até que Zé voltou ao médico que observou retirando-lhe a venda: – Puxa vida, meu amigo, seu olho direito continua com o mesmo estrabismo, o tratamento não teve sucesso, sinto muito.
– E aí, doutor, o que faço?
– Não sei, o amigo continuará desenxergando as coisas. – E o Zé, cabisbaixo, voltou desconsolado.
Mas não se deu por vencido. Com raiva construiu outro tampão e, por conta da ingratidão de seu olho direito que perdera a grande oportunidade para se endireitar, tapou-o deixando o esquerdo livre. O Zé deu luz ao olho esquerdo, mantendo o direito nas trevas. – Quem não ajuda – disse ele enquanto vedava o direito – não atrapalha.
O esquerdo que não é bobo, em poucos dias de gozo da liberdade tratou logo de desbalancear a vesguice e o Zé que nem cabia em si de contente, passou a enxergar direito.
Olhe o contrassenso: enxergou direito com o esquerdo enquanto o direito manteve-se vesgo.
Trazendo esse caso esdrúxulo para a realidade, parece que a equipe do novo governo está como os olhos do Zé: um vigiando o outro e não permitindo que o Zé, que é quem manda, enxergue o que realmente se passa, já que seu campo de visão permanece estreito e cego para a visão periférica.
Talvez se o presidente adotasse o exemplo do Zé que tomou decisão acertada com seus olhos vesgos, nós, os Zés perdidos nessa podriqueira de poder político e vaidade, deixássemos de ser tampões para olhos que não querem ver.
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