Análise: Acessibilidade, bom senso e inteligência

Publicado em 13 de julho de 2014

Nas últimas semanas um dos assuntos debatidos em Paranavaí tem sido a acessibilidade. O assunto ganhou destaque depois que o Ministério Público cobrou da Prefeitura Municipal fiscalização para que identificasse e notificasse os prédios em desacordo com as normas de acessibilidade. Até um fórum sobre o assunto foi realizado na Associação Comercial.
Alguns proprietários até chegaram a fazer mudanças em seus imóveis, mas alguns fora da regulamentação. Outros reclamam de dificuldades para fazer as adaptações necessárias.
Sobre o assunto, Vital Kuriki, proeminente arquiteto e urbanista, que já assinou obras importantes, entre elas, a implantação do projeto Passeios e Travessias, que modernizou o centro de em Paranavaí, em 1990 e, um dos responsáveis pela revitalização do centro histórico de São Paulo, escreveu, a pedido deste blog, um artigo sobre o assunto. Ele lembra que para tratar do tema é preciso bom senso e inteligência.
Veja abaixo o artigo.
Acessibilidade: é preciso bom senso e inteligência
Acessibilidade é um tema de extrema importância, mas que só há pouco tempo começou a ganhar algum destaque.
Diante da dificuldade em se estabelecer critérios e parâmetros, estabeleceu-se a obrigatoriedade de práticas e soluções de acessibilidade, através da NBR 9050, regulamentada mais ou menos em 1997; a partir de então, todos os órgãos aprovadores e licenciadores de construção civil passaram a incluir exigências concernentes a obras de acessibilidade na execução de construções novas ou reformas.
Do ponto-de-vista funcional, a lei parece ser bastante razoável, factível e benéfica, não só às pessoas portadoras de necessidades especiais, como à população em geral e, especialmente a crianças e idosos, já que as intervenções, quando realizadas, contribuem sobremaneira na facilitação da mobilidade de todos os usuários dos espaços públicos.
Aparentemente, a lei passou a ser vista como mais um empecilho aos intentos de obtenção de alvarás de construção e licença de funcionamento das edificações em geral, desvirtuando sua finalidade.
Diante disso, aquilo que deveria se constituir em práticas rotineiras benéficas e necessárias para corrigir um erro e uma omissão, transformou-se, inadvertidamente, em obrigação torturante, resultante da aplicação generalizada das leis, muitas vezes com rigor excessivo e pouca tolerância, sobretudo nos casos de reforma, adaptação e ajuste a situações consolidadas.
Sabemos que o desenho dos espaços públicos: logradouros e passeios foram concebidos a partir de uma lógica da época. Assim, desenho de ruas e passeios que se destinavam apenas a tráfego de animais, pessoas e carroças, passaram a ter que comportar novos meios de transporte como número cada vez maior de pedestres, bicicletas, motos, automóveis, ônibus e caminhões. Da mesma forma que nem sempre é possível adaptar um desenho antigo às exigências da modernidade, não é razoável que peguemos edificações concebidas sob outra realidade e adaptá-las.
A própria NBR 9050 indica parâmetros ideais, mas é omissa em relação à tolerância, pois parte do pressuposto de que o interessado sempre tem a intenção de burlar a lei. Ora, o mais importante é a aceitação de que as obras de acessibilidade são importantes e responsabilidade da sociedade e não uma mera imposição.
Portanto, a tentativa louvável da administração pública em colocar em prática a obrigatoriedade da NBR 9050, somente poderá ter aceitação e efeito benéfico, a partir de três pressupostos:
a) Que a administração pública seja o modelo, executando intervenções e obras de acessibilidade em espaços públicos, salientando que intervenções desta natureza para se justificarem devem abranger, pelo menos um quarteirão e até contribuir na facilitação de soluções de adaptação para os imóveis contidos na área de intervenção. Talvez seja uma das poucas formas de sensibilizar proprietários e moradores, passando a ideia de que a administração pública se preocupa com o bem-estar, conforto e qualidade dos espaços públicos para os moradores e usuários dos espaços públicos;
b) Assim, a ação deve ser exógena: da iniciativa pública para a iniciativa privada e não ao contrário como normalmente ocorre;
c) Soluções de acessibilidade nas edificações comerciais e de serviços em geral devem ser tratadas dentro de suas particularidades: disponibilidade de espaço, viabilidade financeira, articulação com passeio, caimento em relação ao meio-fio, etc. São diversos os casos em que a própria acessibilidade é um diferencial.
Finalizando: qualquer iniciativa que se pretenda bem sucedida, deve contar com a aceitação e a colaboração da sociedade, gerenciada com bom senso e inteligência pela administração pública e pelo Ministério Público.

Alda - 391x69

5 comentários sobre “Análise: Acessibilidade, bom senso e inteligência

  1. Parabéns Vital pelo artigo. Realmente é preciso aceitação e colaboração da comunidade e bom senso e inteligência da parte dos poderes constituídos. Penso que, independente da NBR 9050, de suas omissões e brechas, no caso de Paranavaí, tem que haver respeito da parte do poder público para com o cidadão, afinal, salvo pouquíssimas exceções, as edificações foram feitas de maneira correta, obedecendo todas as regras legais, passaram pelo crivo da fiscalização e por fim, receberam o habite-se. Assim sendo, não teriam estes cidadãos/contribuintes um direito adquirido?
    Está um assunto para o nosso ilustre causídico, Dr. José Balestra

    • De fato, as questões relativas à acessibilidade, conforme descrevi no artigo, podem tomar um rumo totalmente indesejado, indo parar na esfera jurídica, o que representaria uma discussão inócua e sem benefício real. Enquanto isso, os eventuais beneficiados (a cidade como um todo) ficam a assistir e patrocinar o embate. Por isso, insistiria na tese de que as melhorias são necessárias, mas, sem inteligência (boas soluções) e bom senso (individualização do problema) a medida torna-se mais uma obrigação que se realizará a contragosto, o que é uma pena, pois perde-se mais uma oportunidade de diminuir a distância que separa cidadãos e instituições públicas.

  2. Outro fato que está acontecendo, e que promete embolar mais ainda o meio de campo, é que, para evitar prejuízos, ou diante da da impossibilidade de atender a “exigência” diversas empresas estão construindo rampas projetadas para fora, ou seja, na calçada. Por ser ilegal a prefeitura terá que exigir sua retirada. Conclusão: o Ministério Público determina, a prefeitura exige o cumprimento da determinação, o cidadão, acuado, mesmo engasgado, tenta atender, e a “bomba” acaba explodindo no colo do prefeito.

    • Este também é um aspecto comentado no artigo, pois intervenções desta natureza devem estar contidas num contexto maior que poderia ser uma parceria público-privada, por que não? Afinal, não se trata de uma questão de interesse público? De novo, reitero: inteligência e bom senso cabem em todas as situações. Se, a cada protesto, nos resumirmos ao atendimento irrestrito da lei, não estaremos mais falando de interesse público, mas de apenas cumprir uma ordem escrita, a qualquer custo, sem perceber sua real dimensão. Dá para entender porque digo que é uma pena?

  3. Seria interessante se você disponibilizasse suas referências para que o texto pudesse ser usado como citação para trabalhos acadêmicos.

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