Meu pai era circunspecto, mal-humorado e de forte personalidade. Não era um monstro, mas tinha amargor nas palavras, nos gestos e nas fugas aos botecos que lhe amparavam os cotovelos.

Para o mal dos pecados, dona Filó, vizinha de cerca e fofoqueira de dar dó, importunava minha mãe com seu bate-língua ao tempo em que tomava emprestadas xícaras de farinha, açúcar, arroz.

Meu pai odiava fuxicos, especialmente os dela que seriam transformados como se tivessem saído da nossa casa. Era uma língua solta; tudo que ouvia, se transformava me fofocas perigosas.

Por isso ele nos alertou: – Não deem trela à ela. Vem aqui se abastecer de fatos que se transformam em difamação. Essa mulher é um perigo, uma língua de trapo! Cuidem-se!

Certo dia, estando ele ocupado com suas tarefas, dona Filó apareceu pedindo feijão e, enquanto minha mãe a servia, danou falar mal da mulher do prefeito. Esperava ansiosa respostas que lhe possibilitasse o alongamento da conversa, a inversão de valores e o disse-que-disse que faria em outro lugar.

Meu pai se levantou, foi até a cozinha onde conversavam e, de posse de um objeto que embrulhara, estendeu-o à visita. – É para a senhora – disse ele. – Para mim? – perguntou sorrindo.

Ao desfazer o invólucro, a surpresa: – é uma régua, o que farei com ela? Ao que ele respondeu de chofre: – meça sua língua, dona Filó, e vá fazer fofocas em outro lugar!

Foi a resposta clara, mal-educada, objetiva e constrangedora que fez com que ela nunca mais voltasse com xícaras nas mãos a bisbilhotar vidas.

Guardadas as proporções, consequências e alguns ajustes de conceito e considerando as trapalhadas do nosso governo e ministros – entenda-se Paulo Guedes, a bola da vez, as besteiras de Dona Filó ficariam nos calcanhares de tão insignificantes, em relação ao que andam dizendo nossos ilustres representantes.

Talvez a régua de meu pai, com a devida proporção e centímetros a mais, deva ser distribuída às grosas, em Brasília com a mesma recomendação.